terça-feira, 16 de outubro de 2012

Ele me trocou por outra... Isso não é justo

Conheço várias definições de amor e, todas elas, de alguma forma, insinuam que amar é desejar o bem do outro sem nenhum tipo de compensação em troca mas, na prática, os amantes talvez não estejam preparados para doar sem receber. A queixa de Márcia, além de comum, ilustra esta tese:
- Eu abri mão de muita coisa por esse casamento! Larguei a faculdade de veterinária, deixei minha juventude ir embora para me entregar a ele!

Às vezes o óbvio não é terapêutico, ou seja, dizer-lhe que fez assim porque quis, embora verdadeiro, não lhe traria benefício algum naquele momento. Perguntei-lhe, então, com certo requinte de ironia:

- E ele? Também não abriu mão de muitas coisas por você?

 - Não! Eu é que ralei em casa para que ele progredisse profissionalmente e, agora, me troca por uma "qualquerzinha’. Ela não fará por ele tudo que eu fiz.
  Márcia em seu relato demonstra raiva que, de acordo com Aristóteles, é uma tristeza acompanhada pelo desejo de vingança. Claro, está triste, e obviamente sentiria prazer em vê-lo sofrer nas mãos da outra, na medida que, não faz por ele, tudo que ela fazia (percebamos certo grau de auto estima fazendo–a perceber-se melhor mulher do que a concorrente).

-
Eu fiz tudo por nosso relacionamento! Não é justo que agora me deixe a ver navios !


 - Márcia, o que vou te dizer parece insensato mas se avaliar bem, perceberá que tenho razão:
- O que?
 
- A vida não é justa, os sentimentos não são justos e amor também não o é!

Márcia demonstra dúvida e discórdia em relação ao que ouviu e, portanto, era justo que lhe explicasse porque penso dessa forma:
A justiça é a virtude da igualdade, do exato. O justo é aquilo que não sobra e não falta. Não é possível que alguém lhe retribua o amor na mesma medida que o recebe. Provavelmente sobrará de um lado ou de outro.

Não se mede o amor pelo esforço que se faz pela pessoa amada, mas não há nenhum mal na busca da equidade. Talvez seja essa busca que mantenha viva a chama desse sentimento tão intrigante. Costumo dizer aos meus pacientes que o amor não existe por si, mas por uma reunião de vários outros sentimentos. Entendo que o principal desses ingredientes é a gratidão.
Na medida que recebemos o bem do outro, sentimos um desejo em retribuir. Se a retribuição for também prazerosa, há bons indícios de amor mas se a retribuição trouxer apenas a sensação de não mais dever nada, essa gratidão não passa de um acerto de contas. Isso é Justiça mas não é amor.

Márcia terá de entender que amar é uma troca de prazeres e cuidados que levam duas pessoas a desejarem-se ainda mais. Dessa troca, não se pode esperar troco e, portanto, não
se pode esperar que um relacionamento continue apenas por gratidão.

Realmente não seria bom que o casamento de Márcia continuasse apenas em razão da gratidão por tudo que ela fez. Seria como tomar uma gota de veneno todos os dias. Essa dose mínima de desprazer não matará mas ao longo de anos bebendo desse mal, a vida seria intolerável.

O amor é algo demais complexo para que eu explique ou, para que eu entenda mas, são essas possíveis formas de entendê-lo que acredito serem úteis e positivas..

Deve–se amar pelo prazer de oferecer ao outro o bem mas, amamos pelo nosso próprio.

Encerro com esse trecho de Caetano Veloso: "O amor é cego, Ray Charles é cego, Stevie Wonder é cego e o albino Hermeto não enxerga muito bem"

Obrigado pela companhia de quem me lê.
Até breve